segunda-feira, 2 de maio de 2016

Sufocando - 2012

A água continua subindo. O rio está subindo. E isso me sufoca... Não que eu não saiba nadar, mas a água subindo me sufoca. Hoje foi um dia extremamente chuvoso, muito chuvoso, três horas de água caindo nos telhados, nos tetos dos carros, nas ruas, nas cabeças das pessoas. Sei nadar o suficiente para manter meu corpo flutuando, mas creio se outra pessoa depender de minha ajuda para lhe socorrer, morrerá. Manter meu corpo flutuando é uma coisa... Manter eu e um outro flutuando é morte na certa.
Esses pensamentos passam em minha cabeça toda vez que a água começa a subir. Vejo na TV e ouço no rádio que uma das pontes que ligam um lado da cidade ao outro está interditada, pois não para de subir.  A água. Não me causa desespero e nem pena, me sufoca, quando morava do outro lado da cidade, o rio chegou até minha casa, foi invadindo o quintal aos poucos, centímetro por centímetro, logo estava na porta da casa. Para onde olhava ela estava lá e pela primeira vez senti está perdido, sufocado, morto, ela iria nos engolir.
Os mais velhos saíram com água pela cintura e os pequenos com ela pelo peito, em um piscar de olhos parecia que nos tragaria para o seu estomago barrento de cor marrom. Desde de então não volto como morador daquela região.
A casa foi sumindo lentamente como se estivesse sendo engolida por um armadilha da areia movediça, na manhã seguinte onde existia nossa casa agora era... Rio. Continua subindo.
Desperto desses pensamentos longínquos da infância com mais um comercial que dizia para as pessoas não irem ao centro da cidade. Agora mais uma ponte estava fechada.
Deito a cabeça no travesseiro e tento fingir que não é comigo, mas sei que aquela merda toda ia atingir o bolso de todo mundo, inclusive o meu. Deles que perderam tudo e teriam que trabalhar para reconstruir suas vidas e o meu que ainda não tenho nada, pago aluguel, que dependo do giro de moeda para ganhar o pão. Para os que governam qualquer hora é hora de desculpa, então vocês sabem qual foi a desculpa usada para a demora dos pagamentos, né? Eu sabia. Não precisa fazer essa cara de babaca. Na tua cabeça deve estar passando: Mas o meu partido fez mais do que o anterior, na do outro que o dele fez mais do que outro e outro que faz também mais do que outros e teve o lance dos militares que fizeram mais do que todos.
A questão amigo está na palavra chave... PARTIDO... Nós estamos todos partidos, de todas as formas e todos os sentidos. Então deito fecho os olhos e finalmente apago.
Seis e trinta o despertador avisa que tenho a obrigação de tirar meu corpo pesado do colhão, lentamente abro os olhos e está... Chovendo. Ligo a TV e tem um sensacionalista regional que tenta ganhar alguns pontinhos para seu programa matinal com sua cara amassada de ter acordado muito mais cedo que eu para estar ali. Falando um monte de merda na tela. Só sabia dizer que a água continuava subindo.
Chega ser patético, mas nas imagens via alguns conhecidos que ganharam casa em programas sociais e voltavam para beira do rio. Pensava: Essa praga merece morrer afogado. É meu dinheiro, meu imposto, serviu para construir a porra daquela gaiola pra quê... Pra esse... Calo a mente como a secura da garganta ao amanhecer. Gaiola. Só queria beber água.

Levanto com minha cara de pastel amassado, quando vou em direção da geladeira escuto voz de gringo no pátio. Quem estava fora do quarto numa chuva daquela? Era uma família misturada... Tipo meio braseiros, meio peruanos. Tinham alugado um dos quartos provisoriamente enquanto normalizava a situação da cidade. Então me afoguei no meu copo d’água. E gostei.

Nenhum comentário: