quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

E Por Falar em Ladrão de Galinhas (Luis Fernando Verissimo)

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
- Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha pra ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para cadeia!
- Não era para mim não. Era para vender!
- Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
- Mas eu vendia mais caro!
- Mais caro?
- Espalhei um boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
- Mas eram as mesmas galinhas, safado.
- Os ovos das minhas eu pintava.
- Mas que grande pilantra... (Mas já havia um certo respeito no tom do delegado) Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...
- Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar o preço dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligópolio. Ou, no caso , um ovigopólio.
- E o que você fez com o lucro do seu negócio?
- Especulo com o dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclussividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
(O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confotável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
- Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
- Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente do exterior.
- E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
- Às vezes. Sabe como é.
- Não sei não excelência. Me explique.
- É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. Do risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente. Vou para cadeia. É uma experiência nova.
- O que é isso, excelência? O senhor não vai preso não.
- Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
- Sim. Mas primário, e com esses antecedentes...

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