quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Peça

A Peça
Yuri Montezuma

Pequeno teatro antigo ou moderno. Tanto faz. Quem decidi como será vai ser você. Uma mesa, duas cadeiras, um lustre, fotos antigas nas paredes, telefone no canto direito do palco.
Camila é uma senhora de certa idade, viúva. Mãe de Claudinho. Usa um avental. Típica dona de casa antiga. Pra ela o tempo não passou.
Claudio de Almeida da Silva Junior – O Claudinho, filho de Camila. Ele é ator. Despojado, atraente e jovem que já passa dos vinte e cinco, mas que ainda não chegou aos trinta.
Paula, atriz que já passa dos vinte, mas que ainda não chegou aos vinte e cinco. Vive seus personagens intensamente. Chegando a necessitar de psicanálise para voltar a ter uma vida normal.
As três amigas de Paula, que vão ao teatro pela primeira vez.
 O cenário é o mesmo para a casa de Claudinho. É utilizado também para as ações posteriores e pode fazer parte do espetáculo UVAS VERDEJANTES, que Claudinho e Paula fizeram para romântico.

As luzes vão se acendendo. O palco está vazio. Toca o telefone.

Camila – (entrando e atendendo ao telefone) Alo. Não Paula... Não ele não está.  Pra falar a verdade ele viajou e não deve voltar tão cedo. Pode deixar que eu avisarei. De nada. Pra você também. (Gritando) Claudio de Almeida da Silva Junior...
Claudinho – (Entrando) Claudinho mãe! E o que foi?
Camila – Essa é centésima vez que essa menina liga atrás de você! Ela tá grávida?
Claudinho – Não... Ela é uma louca do elenco que cisma em casar comigo! Só por que nós fizemos par romântico no espetáculo.
Camila – UVAS VERDEJANTES... Espetáculo de nome escroto... E por que você não fala que não quer? (Sai)
Claudinho – (Explicando para a mãe como se estivesse falando da sala para acozinha) É melhor eu contar como tudo começou... (Começa a contar a história, a luz vai mudando o ambiente para a encenação da cena final de UVAS VERDEJANTES, Paul entra pelo lado oposto que Camila e Claudinho tinham entrado).

UVAS VERDEJANTES (Uma pequena cena)

Paula – (Entrando ofegante, coração na boca) Consegui... Matei André, e finalmente conseguiremos ser felizes.
Claudinho – Agora me sinto livre de tudo. Das acusações, perseguições, de todo o mal...
Paula – Beije-me José. (Os dois se beijam fervorosamente)

(O ambiente do espetáculo, muda para as três amigas que estão sentadas na plateia misturadas com o publico).
Amiga I – Eles se beijaram...
Amiga II – E ela disse que guardaria seu beijo para o Antônio
Amiga III – O beijo no teatro não é de verdade... Deixem de besteira e assistam.

(Alguém grita da plateia)

- Bravo... Excelente. Maravilho.

(Os dois agradecem, aplaudem a plateia, recebem flores, elogios, silêncio no ambiente, agora tudo se voltou para um ambiente pós-apresentação).

Claudinho – Paula, temos que ensaiar melhor aquela cena do sexo... Você nunca consegue ir até o fim... Sempre temos que resolver com a luz.
Paula – Desculpa Claudinho... É que sou prometida... E só meu prometido deve enxergar aquilo que será dele.
Claudinho – Prometida? Pensei que isso era coisa do passado, dos antigos imperadores que queriam reunir e agregar reinos.
Paula – Pois, saiba que ainda existem famílias assim. Que guardam suas filhas para um noivo escolhido por eles e que nós só vemos no casamento.
Claudinho – Isso é um absurdo... Você tem que mudar isso
Paula – (Confiante) – Eu mudei... Falei com o meu prometido. Seu nome é Antônio.
 Claudinho – Menos mal!  Falou com ele.
Paula – Por telefone.
(Silêncio)
Claudinho – Por telefone?
Paula – Sim.
Claudinho – você tem quantos anos... Vai casar tão jovem?
Paula – Na minha família é assim.
Claudinho – Você tem que viver sua vida... Conhecer o mundo, novas pessoas, experiências... Sei lá... Viver.
Paula – Tem razão! Tenho que viver e conhecer novas pessoas, outros ambientes, me aventurar.
Claudinho – Isso! Decidir o que é melhor para você, para seu futuro, poder escolher com quem quer ficar.
Paula – Pode me dar um segundo... (sai de cena)
Claudinho – O que aconteceu?
Paula – Liguei pro Antônio, meu noivo.
Claudinho – Sei... Posso saber o que rolou?
Paula – Você tinha razão... Terminei tudo com o Antônio...
Claudinho – Que bom...
Paula – E vou me casar com você.
(O ambiente, muda para as amigas que estão na plateia)
Amiga I – Ela fez o quê?
Amiga II – Falou que terminou tudo com o Antônio...
Amiga III – Parem de especulações. Ela deve ter errado o texto.
Amiga I – Acho que errou foi à vergonha na cara.
Amiga II – Coitado do Antônio.
Amiga III – Coitada de mim que tenho que aguentar vocês.
Amiga II – Não exagera...
Amiga III – Estou tentando acompanhar a história...
Amiga I – (Cortando) E por que não acompanha?
Amiga III – Se vocês calarem a boca!
Amiga II – Não está aqui quem falou.

(A cena muda para a casa de Claudinho)

Camila – (Entrando) Então você foi o pivô da separação da menina Claudinho?!
Claudinho – Claro que não mãe... Só achei errado, uma menina tão jovem casar cedo.
Camila – E não conseguiu ficar de boca fechada...
Claudinho – É só que não acaba por aí. Lembra que eu sofri um acidente? Pois é...

(recomeça a história, agora a mãe de Claudinho faz a médica).

Amiga I – Acho que ela deve ter dado mesmo um pé no Antônio. O Que você acha?
Amiga II – Eu não acho... Tenho é certeza. Esse chifre foi cênico.
Amiga III – Parem de fazer mal para nossa amiga... Todas nós sabemos que ela é cega de amor pelo Antônio. Ou vocês duas prestam atenção no espetáculo ou vou embora.
Amiga I – É que não acostumamos assistir essas coisas...
Amiga II – (Cortando) Geralmente é escondido.
Amiga III – O que é escondido?
Amiga I – Esse cifre!
Amiga II – Digno de premiação.
Amiga III – E vocês duas digna de vergonha.

Agora Claudinho está deitado na que serve de maca. Está respirando a base de oxigênio. Camila veste um Jaleco e agora é uma médica.

Enfermeira – Olá seu Claudinho. A sua médica particular quer vê-lo.
Claudinho – Mas eu não tenho médica particular.
Enfermeira – Seus familiares devem ter contratado! Vou pedir para que ela entre e os deixarei a sós.
Paula – (Entra com um jaleco médico e de máscara) Oi Claudinho!
Claudinho – Paula... Você não é médica.
Paula – Também sou...
Claudinho – Como assim?
Paula – Interpretei uma no espetáculo SÁBADO AS SETE.
Claudinho – Meu deus!
Paula – Como você faz eu me apaixonar... Comprei todo o enxoval do nosso casamento, fiz e mandei os convites, recebi e tive que devolver todos os presentes. Essas coisas não se fazem com uma mulher.
Claudinho – Mas não fiz nada...
Paula – Não se faça de desentendido.
Claudinho – Você precisa de ajuda.
Paula – O que esses botões aqui fazem?
Claudinho – Me mantém respirando!
Paula – (Apertando os botões) Isso é pra você sentir tudo que senti... Quando você sumiu também fiquei sem ar.
Claudinho – Socorro... Socorro.
Paula – Eu te amo Claudinho...
Claudinho – E por que está tentando me matar?
Paula – Por amor!
Claudinho – Socorro...

(O ambiente volta para as amiga).

Amiga I – Sempre soube que ela era desequilibrada... Agora se vestir de médica. Francamente!
Amiga II – Isso é de família...
Amiga III – Francamente vocês duas! Não sabem se comportar em um teatro.
Amiga II – Me comportar eu sei, mas isso não é mais teatro...
Amiga I – É o que então?
Amiga II – Loucura.
(Ambiente na casa de Claudinho)

 Claudinho – Entende agora por que estou correndo dessa mulher?
Camila – Se não fosse o seu pai chegar...
Claudinho – (Cortando) Hoje eu era apenas história.
Camila – Filho... Essa sua peça ficou muito pouco tempo em cartaz. Com um publico pífio.
Claudinho – Direitos autorais.
Camila – Os direitos autorais também proibiram o publico de ir ao teatro?
Claudinho – As questões de qualidade cênica não irei discutir. Mas, você que concordar que sempre tinha alguém na plateia gritando elogios.
Camila – Foi um ator contratado pela produção para animar vocês.
Claudinho – Como assim?
Camila – Um amigo meu... Indiquei para produção.
Claudinho – E as críticas?
Camila – Filho! Fiz jornalismo e tenho contatos dentro dos maiores jornais. Foi só uma questão de alguns telefonemas.
Claudinho – Triste...
Camila – (Cortando) E essa moça ainda está atrás de você?
Claudinho – Na verdade ela sumiu do mapa por um bom tempo... Só que eu estava no escritório...
Amiga I – Direitos autorais... Sei.
Amiga II – Aquela peça foi feita só pra ganhar dinheiro...
Amiga III – E era péssima...
Amiga I – Finalmente você fala e não nos bate.
Amiga II – É... E por que saiu chorando daquela peça?... Eu lembro!
Amiga III – Chorando de ódio. Agora prestem atenção que é a parte do escritório.
Amiga I – Que escritório?
Amiga III – Ele falou de um escritório.
Amiga II – Deixou de fazer teatro?
Amiga III – Eu é que sei?
Amiga I – Perguntar não ofende.

O ambiente é de um típico escritório. Só tem papeis.

Claudinho – (Sentando) Essa merda de cálculo nunca bate...
Paula – Oi Claudinho!
Claudinho – (Gritando igual uma mulher ao se deparar com uma barata) ai, ai, ai, ai... O que você quer aqui?
Paula – Calma... Só estou aqui para te pedir desculpas por ter te perseguido.
Claudinho – (Desconfiado) Tudo bem... São águas passadas.
Paula – Deixou o teatro?
Claudinho – Não... Mas também faço produção.
Paula – Que bom... Sempre ligado na arte!
Claudinho – E você?
Paula – Estou parada, mas com uma proposta para um novo espetáculo. Foi muito difícil...
Claudinho – (Cortando) Difícil o quê?
Paula – E também foi muito difícil superar a internação...
Claudinho – Que internação?
Paula – Fui internada com depressão pós-parto.
Claudinho – Você nunca teve filho!
Paula – Tive sim! Com você em UVAS VERDEJANTES.
Claudinho – Meu deus! De novo não...
Paula – (Cortando) Hoje estou curada... E como o pessoal vai lá pra casa para comemorar os cinco anos da peça... Vim aqui para te convidar e provar que não tem nenhum ressentimento.
Claudinho – Se é isso... Tudo bem. Marcado!
Paula – As oito.
Claudinho – Combinado.
(As amigas)
Amiga I – Isso vai dar merda!
Amiga II – Sabe que acho que ela se curou.
Amiga III – Ela é louca de pedra... Sorte teve foi o Antônio de não casar com a Paula.
Amiga I – (Lembrando – se) Nunca teve Antônio nenhum...
Amiga III – (Surpreendida) Como assim?
Amiga I – Ontem recebi um livro com história dos espetáculos dos últimos dez anos aqui na cidade. E adivinha... Antônio era um dos personagens de umas das peças que Paula participou.
Amiga II – Louca de pedra.
Claudinho – Entendeu mamãe?
Camila – Sim...

(Mostrando que tudo era um ensaio teatral, as luzem acendem geral).

Claudinho – E aí, como foi o ensaio?
Amiga I – Claudio eu gostei...
Amiga II – Acho que vai dar certo.
Amiga III – Vai ser um sucesso.
Camila – Precisamos de mais ensaio.
Claudinho – Vamos ensaiar mais então...
Amiga I – O que me preocupa é se Paula descobre...
Claudinho – A questão é que ela está em porto velho e além do mais eu troquei o nome dos personagens.
Camila – Tem tudo para dar certo.
Amiga I – Vai marcar minha volta ao teatro.
Claudinho – Fico feliz com tudo gente... Vamos jantar?
Amiga III – Vamos... Estou com muita fome! Esse ensaio foi duro.
Amiga II – Alguém paga o meu que depois devolvo.
Claudinho – Deixa comigo.
Camila – Vamos naquele barzinho da esquina? Lá tem sempre a melhor cerveja e o melhor preço.
Amiga I – Tudo bem.
Vão saindo quando de repente
Paula – (Aparecendo no meio da plateia do teatro e grávida) Oi Claudinho.
A luz vai diminuindo até escuridão total.


FIM

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