quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Obra e a Arte

A Obra e a Arte
Yuri Montezuma

Uma exposição de pintores famosos. Da Vinci, Monet, Picasso, entre outros. Ao centro encontra-se um artista contemporâneo segurando um rolo de papel higiênico escrito arte. Os observadores entram na sala e elogiam bastante às obras já conhecidas, mas ignoram o artista e seu rolo de papel. Um grupo de amigas entra na sala e elogiam bastante as obras mais famosas e entram em discussão sobre o conceito de arte do artista.
Os personagens não são nomeados para liberdade de montagem.
- Picasso é fantástico. Sua ligação do contexto histórico do mundo nos deixa maravilhada. Um verdadeiro artista.
- Eu já discordo de você. A obra mais misteriosa é a de Da Vinci... Ele conseguiu nos deixar curiosos e sair em busca de resposta para outras existências, outros mundos.
- Já eu sou  fã de Monet...
- (As outras duas) Quem era Monet?
- Monet? Ora... Monet era Monet... O cara que pintou esse quadro que vocês estão vendo. Pergunta boba... Conhecem Picasso e Da Vinci, mas não conhecem Monet. Absurdo.
- E você conhece esse tal de Monet?
- Claro que sim... Mas vamos deixar de bobagem (olhando para a quarta amiga) e você gosta de quem?
- Hélio Melo.
- (As três anteriores com desdém) E desde quando artista do acre merece ser valorizado igual a Monet, Picasso ou Da Vinci?
- (A quarta amiga) Não é uma questão de querer igualar ou querer ser melhor, superior, mas é uma questão de saber que aqui também existem bons artistas. Pintando, escrevendo ou atuando. Aqui também tem arte.
- Sei arte...
- Vamos acabar com essa discussão de gostos artísticos por que tenho coisas bem mais importantes para mostrar pra vocês.
- O que foi?
- Olhem aquele homem parado segurando aquele rolo de papel higiênico escrito arte.
- Isso é um completo absurdo...
- Um disparate...
- Uma ofensa...
- Uma obra de arte...
- (As três) Isso! Uma obra de arte.
- (A primeira) Uma o quê?
- Obra de arte!
- (As três) Você está louca!
- Primeiro gosta de Hélio Melo e diz que aqui tem bons artistas.
- Que devemos valorizar esses ditos bons artistas.
- Que aqui tem arte.
- (As três) Louca...
- E no banheiro feminino está faltando papel e esse aqui com um rolo inteiro.
- Ele deve usar muito...
- E aqui está até com um cheiro esquisito... Parece ovo estragado.
- Não peço que concordem comigo... Cada um tem seu gosto e conhecimento em relação à arte. O que vemos aqui é arte contemporânea.
- Arte contemporânea!
- Gosto!
- Conhecimento!
- Amigas pensei que vínhamos aqui para apreciar a arte em suas diversas faces e não encerrar nossa amizade.
- Ninguém veio encerrar nada!
- Só que achamos que arte contemporânea é o que o rolo de papel mostra.
- Isso mesmo... Um bosta!
- Eu não disse isso... Quis dizer que é sem sentido.
- Então para vocês arte deve fazer sentido?
(As três) Sim
Adentra o salão uma senhora de cabelos solto, óculos escuros, sapato alto, magra. Observa a discussão das quatro por um instante e decidi intervir.
- Desculpem senhoras, mas estava observando vocês discutirem sobre o que é ou não arte. Gostaria de participar dessa coversa se me permitirem.
- Claro que sim... Uma quinta Opinião sempre é bem vinda.
- Por que dessa briga toda?
- Olhe ao redor... Aqui tem os mais famosos artistas do mundo. Pela primeira vez temos aqui no Acre uma exposição desse porte. Nossa amiga aqui está dizendo que esse rapaz, musculoso, alto, jovem e com esse volume aqui! É arte.
- Que volume?
- O papel... Pensou que fosse o quê?
- Nada... Só que você falou volume com uma cara de...
- Dor na barriga... Isso que sinto toda vez que tenho que olhar pra isso.
- Senhoras não vão sair do foco.
- Tem razão. Vamos nos focar. Disse as minhas amigas que a arte contemporânea existe sim e que esse rapaz segurando o papel higiênico com o escrito ARTE, demonstra que o artista transformou esse papel que serve para outras funções além da qual foi desenvolvido.
- Limpar a bunda isso sim! A única obra que ele faz.
- Seguindo o conceito de que o artista contemporâneo transforma a arte, posso afirmar que isso aqui é uma obra de arte.
- Entendeu agora...
- Eu já havia entendido!
- Espera aí... Você está dizendo que isso aqui é arte?
- Sim!
- Ser ou não ser? Essa é a questão no meio desse turbilhão e tanta confusão!
- Está vendo?
- O quê?
- Você acaba de transformar a arte!
- Mas usei a frase famosa daquele autor famoso inglês...
- Molière...
- Cruzes... Molière era da França.
- Isso não tem importância no momento. O importante é que a obra foi transformada em outra obra e agora já não é o que era.
- O que diabo essa mulher está dizendo?
- Eu não sei, mas concordo e agora digo que o rapaz com o papel é arte!
- Não foi você que disse que à arte contemporânea era uma bosta?
- Claro que foi, mas depois de esclarecido os fatores, os teoremas, as conclusões e o aprendizado... Vejo que isso aqui também é arte.
- Fico feliz por entenderem... Agora acho que nós sabemos que existem vários conceitos de arte... Certo?
- Certo nada... Isso não passa de um rapaz segurando um papel e não é arte.
- Também acho... À arte tem que mexer com a gente... Algo que possamos fazer reflexão... Levar algo de bom para casa. Agora isso aqui! A única coisa que levo pra casa é uma verdadeira vontade de correr para o banheiro.
- Mas não deixa de ser uma reflexão.
- Bem, não serei eu que vou colocar na cabeça de vocês o que  é ou não é arte. Vou indo para segunda parte da exposição, onde mostra homens e mulheres completamente nus. Sem nada para cobrir seus sexos. Passar bem. (sai)
- Isso é uma vergonha...
- A família acriana deve ser poupada de tamanha insensatez...
- Um ataque contra as pessoas de bem.
- Eu vou observar a segunda parte da exposição... Fui (Sai)
- Sabem meninas... Também vou. (Sai correndo atrás das outras duas)
- E você vai olhar aqueles corpos nus?
- Acho que vou ficar por aqui. Sou uma pessoa de família...
- Penso que devemos ir assistir também para poder criticar e tecer nossa opinião.
- Também acho!
- Vamos?
- Vamos!
- Espera aí... Essa frase do vamos,vamos é de Esperando Godot de Becket?
- Sim!
- Então nós transformamos a obra!
- E acabamos com a arte.
- Mas...
- Cala a boca (saem)
Entra um funcionário do prédio onde acontece a exposição e caminha em direção ao rapaz com o papel higiênico.
- Armando o que você está fazendo aqui?
- (Meio desajeitado) É que eu vinha passando pelo salão de exposição e senti uma vontade louca de soltar um pum.
- Não tenho nada com seus problemas intestinais! Faz uma hora que te mandei buscar papel higiênico para por no banheiro feminino e até agora nada.
- Pois então... Não aguentei e acabei soltando o pum preso.
- E o que tem isso?
- Fedeu...
- Foi por isso que demorou?
- Não... Fiquei com vergonha daquelas senhoras. Puxei a caneta do bolso e escrevi aqui a palavra ARTE. Parei igual uma estatua... Como se eu fizesse parte da exposição.
- Meu deus! Você estragou tudo... A exposição de arte contemporânea é no outro salão... Aqui é apenas exposição de obras clássicas.
- Tentei escapar, mas elas cismaram comigo... Discutiram se o papel era ou não era arte.
- Espero você no RH... Vai levar uma advertência.
- Por quê?
- Por pratica ilegal de arte!
- E tem isso?
- É uma norma que criamos hoje, agora, nesse exato momento. (sai)
- Basta virar artista para começar a ser recriminado. (Tira um pedaço do papel higiênico assua o nariz, luz vai diminuindo até o B.O)




FIM

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