A Peça
Yuri Montezuma
Pequeno
teatro antigo ou moderno. Tanto faz. Quem decidi como será vai ser você. Uma
mesa, duas cadeiras, um lustre, fotos antigas nas paredes, telefone no canto
direito do palco.
Camila
é uma senhora de certa idade, viúva. Mãe de Claudinho. Usa um avental. Típica
dona de casa antiga. Pra ela o tempo não passou.
Claudio
de Almeida da Silva Junior – O Claudinho, filho de Camila. Ele é ator.
Despojado, atraente e jovem que já passa dos vinte e cinco, mas que ainda não
chegou aos trinta.
Paula,
atriz que já passa dos vinte, mas que ainda não chegou aos vinte e cinco. Vive
seus personagens intensamente. Chegando a necessitar de psicanálise para voltar
a ter uma vida normal.
As
três amigas de Paula, que vão ao teatro pela primeira vez.
O cenário é o mesmo para a casa de Claudinho.
É utilizado também para as ações posteriores e pode fazer parte do espetáculo
UVAS VERDEJANTES, que Claudinho e Paula fizeram para romântico.
As
luzes vão se acendendo. O palco está vazio. Toca o telefone.
Camila
– (entrando
e atendendo ao telefone) Alo. Não Paula... Não ele não está. Pra falar a verdade ele viajou e não deve
voltar tão cedo. Pode deixar que eu avisarei. De nada. Pra você também. (Gritando)
Claudio de Almeida da Silva Junior...
Claudinho
– (Entrando)
Claudinho mãe! E o que foi?
Camila
– Essa é centésima vez que essa menina liga atrás de você! Ela tá grávida?
Claudinho
– Não... Ela é uma louca do elenco que cisma em casar comigo! Só por que nós
fizemos par romântico no espetáculo.
Camila
– UVAS VERDEJANTES... Espetáculo de nome escroto... E por que você não fala que
não quer? (Sai)
Claudinho
– (Explicando para a mãe como se estivesse falando da sala para acozinha) É
melhor eu contar como tudo começou... (Começa a contar a história, a luz vai
mudando o ambiente para a encenação da cena final de UVAS VERDEJANTES, Paul
entra pelo lado oposto que Camila e Claudinho tinham entrado).
UVAS VERDEJANTES (Uma pequena cena)
Paula
– (Entrando
ofegante, coração na boca) Consegui... Matei André, e finalmente
conseguiremos ser felizes.
Claudinho
– Agora me sinto livre de tudo. Das acusações, perseguições, de todo o mal...
Paula
– Beije-me José. (Os dois se beijam fervorosamente)
(O
ambiente do espetáculo, muda para as três amigas que estão sentadas na plateia
misturadas com o publico).
Amiga
I – Eles se beijaram...
Amiga
II – E ela disse que guardaria seu beijo para o Antônio
Amiga
III – O beijo no teatro não é de verdade... Deixem de besteira e assistam.
(Alguém
grita da plateia)
-
Bravo... Excelente. Maravilho.
(Os
dois agradecem, aplaudem a plateia, recebem flores, elogios, silêncio no
ambiente, agora tudo se voltou para um ambiente pós-apresentação).
Claudinho
– Paula, temos que ensaiar melhor aquela cena do sexo... Você nunca consegue ir
até o fim... Sempre temos que resolver com a luz.
Paula
– Desculpa Claudinho... É que sou prometida... E só meu prometido deve enxergar
aquilo que será dele.
Claudinho
– Prometida? Pensei que isso era coisa do passado, dos antigos imperadores que
queriam reunir e agregar reinos.
Paula
– Pois, saiba que ainda existem famílias assim. Que guardam suas filhas para um
noivo escolhido por eles e que nós só vemos no casamento.
Claudinho
– Isso é um absurdo... Você tem que mudar isso
Paula
– (Confiante)
– Eu mudei... Falei com o meu prometido. Seu nome é Antônio.
Claudinho – Menos mal! Falou com ele.
Paula
– Por telefone.
(Silêncio)
Claudinho
– Por telefone?
Paula
– Sim.
Claudinho
– você tem quantos anos... Vai casar tão jovem?
Paula
– Na minha família é assim.
Claudinho
– Você tem que viver sua vida... Conhecer o mundo, novas pessoas,
experiências... Sei lá... Viver.
Paula
– Tem razão! Tenho que viver e conhecer novas pessoas, outros ambientes, me
aventurar.
Claudinho
– Isso! Decidir o que é melhor para você, para seu futuro, poder escolher com
quem quer ficar.
Paula
– Pode me dar um segundo... (sai de cena)
Claudinho
– O que aconteceu?
Paula
– Liguei pro Antônio, meu noivo.
Claudinho
– Sei... Posso saber o que rolou?
Paula
– Você tinha razão... Terminei tudo com o Antônio...
Claudinho
– Que bom...
Paula
– E vou me casar com você.
(O
ambiente, muda para as amigas que estão na plateia)
Amiga
I – Ela fez o quê?
Amiga
II – Falou que terminou tudo com o Antônio...
Amiga
III – Parem de especulações. Ela deve ter errado o texto.
Amiga
I – Acho que errou foi à vergonha na cara.
Amiga
II – Coitado do Antônio.
Amiga
III – Coitada de mim que tenho que aguentar vocês.
Amiga
II – Não exagera...
Amiga
III – Estou tentando acompanhar a história...
Amiga
I – (Cortando) E por que não acompanha?
Amiga
III – Se vocês calarem a boca!
Amiga
II – Não está aqui quem falou.
(A
cena muda para a casa de Claudinho)
Camila
– (Entrando)
Então você foi o pivô da separação da menina Claudinho?!
Claudinho
– Claro que não mãe... Só achei errado, uma menina tão jovem casar cedo.
Camila
– E não conseguiu ficar de boca fechada...
Claudinho
– É só que não acaba por aí. Lembra que eu sofri um acidente? Pois é...
(recomeça
a história, agora a mãe de Claudinho faz a médica).
Amiga
I – Acho que ela deve ter dado mesmo um pé no Antônio. O Que você acha?
Amiga
II – Eu não acho... Tenho é certeza. Esse chifre foi cênico.
Amiga
III – Parem de fazer mal para nossa amiga... Todas nós sabemos que ela é cega
de amor pelo Antônio. Ou vocês duas prestam atenção no espetáculo ou vou
embora.
Amiga
I – É que não acostumamos assistir essas coisas...
Amiga
II – (Cortando)
Geralmente é escondido.
Amiga
III – O que é escondido?
Amiga
I – Esse cifre!
Amiga
II – Digno de premiação.
Amiga
III – E vocês duas digna de vergonha.
Agora
Claudinho está deitado na que serve de maca. Está respirando a base de
oxigênio. Camila veste um Jaleco e agora é uma médica.
Enfermeira
– Olá seu Claudinho. A sua médica particular quer vê-lo.
Claudinho
– Mas eu não tenho médica particular.
Enfermeira
– Seus familiares devem ter contratado! Vou pedir para que ela entre e os
deixarei a sós.
Paula
– (Entra
com um jaleco médico e de máscara) Oi Claudinho!
Claudinho
– Paula... Você não é médica.
Paula
– Também sou...
Claudinho
– Como assim?
Paula
– Interpretei uma no espetáculo SÁBADO AS SETE.
Claudinho
– Meu deus!
Paula
– Como você faz eu me apaixonar... Comprei todo o enxoval do nosso casamento,
fiz e mandei os convites, recebi e tive que devolver todos os presentes. Essas
coisas não se fazem com uma mulher.
Claudinho
– Mas não fiz nada...
Paula
– Não se faça de desentendido.
Claudinho
– Você precisa de ajuda.
Paula
– O que esses botões aqui fazem?
Claudinho
– Me mantém respirando!
Paula
– (Apertando
os botões) Isso é pra você sentir tudo que senti... Quando você sumiu também
fiquei sem ar.
Claudinho
– Socorro... Socorro.
Paula
– Eu te amo Claudinho...
Claudinho
– E por que está tentando me matar?
Paula
– Por amor!
Claudinho
– Socorro...
(O
ambiente volta para as amiga).
Amiga
I – Sempre soube que ela era desequilibrada... Agora se vestir de médica.
Francamente!
Amiga
II – Isso é de família...
Amiga
III – Francamente vocês duas! Não sabem se comportar em um teatro.
Amiga
II – Me comportar eu sei, mas isso não é mais teatro...
Amiga
I – É o que então?
Amiga
II – Loucura.
(Ambiente
na casa de Claudinho)
Claudinho – Entende agora por que estou
correndo dessa mulher?
Camila
– Se não fosse o seu pai chegar...
Claudinho
– (Cortando)
Hoje eu era apenas história.
Camila
– Filho... Essa sua peça ficou muito pouco tempo em cartaz. Com um publico
pífio.
Claudinho
– Direitos autorais.
Camila
– Os direitos autorais também proibiram o publico de ir ao teatro?
Claudinho
– As questões de qualidade cênica não irei discutir. Mas, você que concordar
que sempre tinha alguém na plateia gritando elogios.
Camila
– Foi um ator contratado pela produção para animar vocês.
Claudinho
– Como assim?
Camila
– Um amigo meu... Indiquei para produção.
Claudinho
– E as críticas?
Camila
– Filho! Fiz jornalismo e tenho contatos dentro dos maiores jornais. Foi só uma
questão de alguns telefonemas.
Claudinho
– Triste...
Camila
– (Cortando)
E essa moça ainda está atrás de você?
Claudinho
– Na verdade ela sumiu do mapa por um bom tempo... Só que eu estava no
escritório...
Amiga
I – Direitos autorais... Sei.
Amiga
II – Aquela peça foi feita só pra ganhar dinheiro...
Amiga
III – E era péssima...
Amiga
I – Finalmente você fala e não nos bate.
Amiga
II – É... E por que saiu chorando daquela peça?... Eu lembro!
Amiga
III – Chorando de ódio. Agora prestem atenção que é a parte do escritório.
Amiga
I – Que escritório?
Amiga
III – Ele falou de um escritório.
Amiga
II – Deixou de fazer teatro?
Amiga
III – Eu é que sei?
Amiga
I – Perguntar não ofende.
O
ambiente é de um típico escritório. Só tem papeis.
Claudinho
– (Sentando)
Essa merda de cálculo nunca bate...
Paula
– Oi Claudinho!
Claudinho
– (Gritando
igual uma mulher ao se deparar com uma barata) ai, ai, ai, ai... O que
você quer aqui?
Paula
– Calma... Só estou aqui para te pedir desculpas por ter te perseguido.
Claudinho
– (Desconfiado)
Tudo bem... São águas passadas.
Paula
– Deixou o teatro?
Claudinho
– Não... Mas também faço produção.
Paula
– Que bom... Sempre ligado na arte!
Claudinho
– E você?
Paula
– Estou parada, mas com uma proposta para um novo espetáculo. Foi muito
difícil...
Claudinho
– (Cortando) Difícil o quê?
Paula
– E também foi muito difícil superar a internação...
Claudinho
– Que internação?
Paula
– Fui internada com depressão pós-parto.
Claudinho
– Você nunca teve filho!
Paula
– Tive sim! Com você em UVAS VERDEJANTES.
Claudinho
– Meu deus! De novo não...
Paula
– (Cortando)
Hoje estou curada... E como o pessoal vai lá pra casa para comemorar os cinco
anos da peça... Vim aqui para te convidar e provar que não tem nenhum
ressentimento.
Claudinho
– Se é isso... Tudo bem. Marcado!
Paula
– As oito.
Claudinho
– Combinado.
(As
amigas)
Amiga
I – Isso vai dar merda!
Amiga
II – Sabe que acho que ela se curou.
Amiga
III – Ela é louca de pedra... Sorte teve foi o Antônio de não casar com a
Paula.
Amiga
I – (Lembrando – se) Nunca teve Antônio nenhum...
Amiga
III – (Surpreendida) Como assim?
Amiga
I – Ontem recebi um livro com história dos espetáculos dos últimos dez anos
aqui na cidade. E adivinha... Antônio era um dos personagens de umas das peças
que Paula participou.
Amiga
II – Louca de pedra.
Claudinho
– Entendeu mamãe?
Camila
– Sim...
(Mostrando
que tudo era um ensaio teatral, as luzem acendem geral).
Claudinho
– E aí, como foi o ensaio?
Amiga
I – Claudio eu gostei...
Amiga
II – Acho que vai dar certo.
Amiga
III – Vai ser um sucesso.
Camila
– Precisamos de mais ensaio.
Claudinho
– Vamos ensaiar mais então...
Amiga
I – O que me preocupa é se Paula descobre...
Claudinho
– A questão é que ela está em porto velho e além do mais eu troquei o nome dos
personagens.
Camila
– Tem tudo para dar certo.
Amiga
I – Vai marcar minha volta ao teatro.
Claudinho
– Fico feliz com tudo gente... Vamos jantar?
Amiga
III – Vamos... Estou com muita fome! Esse ensaio foi duro.
Amiga
II – Alguém paga o meu que depois devolvo.
Claudinho
– Deixa comigo.
Camila
– Vamos naquele barzinho da esquina? Lá tem sempre a melhor cerveja e o melhor
preço.
Amiga
I – Tudo bem.
Vão
saindo quando de repente
Paula
– (Aparecendo
no meio da plateia do teatro e grávida) Oi Claudinho.
A
luz vai diminuindo até escuridão total.
FIM
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