A Obra e a Arte
Yuri Montezuma
Uma exposição de pintores famosos. Da Vinci, Monet, Picasso, entre
outros. Ao centro encontra-se um artista contemporâneo segurando um rolo de
papel higiênico escrito arte. Os observadores entram na sala e elogiam bastante
às obras já conhecidas, mas ignoram o artista e seu rolo de papel. Um grupo de
amigas entra na sala e elogiam bastante as obras mais famosas e entram em
discussão sobre o conceito de arte do artista.
Os personagens não são nomeados para liberdade de montagem.
- Picasso é fantástico. Sua ligação do contexto histórico do
mundo nos deixa maravilhada. Um verdadeiro artista.
- Eu já discordo de você. A obra mais misteriosa é a de Da
Vinci... Ele conseguiu nos deixar curiosos e sair em busca de resposta para outras
existências, outros mundos.
- Já eu sou fã de
Monet...
- (As outras duas) Quem era Monet?
- Monet? Ora... Monet era Monet... O cara que pintou esse
quadro que vocês estão vendo. Pergunta boba... Conhecem Picasso e Da Vinci, mas
não conhecem Monet. Absurdo.
- E você conhece esse tal de Monet?
- Claro que sim... Mas vamos deixar de bobagem (olhando
para a quarta amiga) e você gosta de quem?
- Hélio Melo.
- (As três anteriores com desdém) E
desde quando artista do acre merece ser valorizado igual a Monet, Picasso ou Da
Vinci?
- (A quarta amiga) Não é uma questão
de querer igualar ou querer ser melhor, superior, mas é uma questão de saber
que aqui também existem bons artistas. Pintando, escrevendo ou atuando. Aqui
também tem arte.
- Sei arte...
- Vamos acabar com essa discussão de gostos artísticos por
que tenho coisas bem mais importantes para mostrar pra vocês.
- O que foi?
- Olhem aquele homem parado segurando aquele rolo de papel
higiênico escrito arte.
- Isso é um completo absurdo...
- Um disparate...
- Uma ofensa...
- Uma obra de arte...
- (As três) Isso! Uma obra de arte.
- (A primeira) Uma o quê?
- Obra de arte!
- (As três) Você está louca!
- Primeiro gosta de Hélio Melo e diz que aqui tem bons
artistas.
- Que devemos valorizar esses ditos bons artistas.
- Que aqui tem arte.
- (As três) Louca...
- E no banheiro feminino está faltando papel e esse aqui com
um rolo inteiro.
- Ele deve usar muito...
- E aqui está até com um cheiro esquisito... Parece ovo
estragado.
- Não peço que concordem comigo... Cada um tem seu gosto e
conhecimento em relação à arte. O que vemos aqui é arte contemporânea.
- Arte contemporânea!
- Gosto!
- Conhecimento!
- Amigas pensei que vínhamos aqui para apreciar a arte em
suas diversas faces e não encerrar nossa amizade.
- Ninguém veio encerrar nada!
- Só que achamos que arte contemporânea é o que o rolo de
papel mostra.
- Isso mesmo... Um bosta!
- Eu não disse isso... Quis dizer que é sem sentido.
- Então para vocês arte deve fazer sentido?
- (As
três) Sim
Adentra o salão uma senhora de cabelos solto, óculos escuros, sapato
alto, magra. Observa a discussão das quatro por um instante e decidi intervir.
- Desculpem senhoras, mas estava observando vocês discutirem
sobre o que é ou não arte. Gostaria de participar dessa coversa se me
permitirem.
- Claro que sim... Uma quinta Opinião sempre é bem vinda.
- Por que dessa briga toda?
- Olhe ao redor... Aqui tem os mais famosos artistas do
mundo. Pela primeira vez temos aqui no Acre uma exposição desse porte. Nossa
amiga aqui está dizendo que esse rapaz, musculoso, alto, jovem e com esse
volume aqui! É arte.
- Que volume?
- O papel... Pensou que fosse o quê?
- Nada... Só que você falou volume com uma cara de...
- Dor na barriga... Isso que sinto toda vez que tenho que
olhar pra isso.
- Senhoras não vão sair do foco.
- Tem razão. Vamos nos focar. Disse as minhas amigas que a
arte contemporânea existe sim e que esse rapaz segurando o papel higiênico com
o escrito ARTE, demonstra que o artista transformou esse papel que serve para
outras funções além da qual foi desenvolvido.
- Limpar a bunda isso sim! A única obra que ele faz.
- Seguindo o conceito de que o artista contemporâneo
transforma a arte, posso afirmar que isso aqui é uma obra de arte.
- Entendeu agora...
- Eu já havia entendido!
- Espera aí... Você está dizendo que isso aqui é arte?
- Sim!
- Ser ou não ser? Essa é a questão no meio desse turbilhão e
tanta confusão!
- Está vendo?
- O quê?
- Você acaba de transformar a arte!
- Mas usei a frase famosa daquele autor famoso inglês...
- Molière...
- Cruzes... Molière era da França.
- Isso não tem importância no momento. O importante é que a
obra foi transformada em outra obra e agora já não é o que era.
- O que diabo essa mulher está dizendo?
- Eu não sei, mas concordo e agora digo que o rapaz com o
papel é arte!
- Não foi você que disse que à arte contemporânea era uma bosta?
- Claro que foi, mas depois de esclarecido os fatores, os
teoremas, as conclusões e o aprendizado... Vejo que isso aqui também é arte.
- Fico feliz por entenderem... Agora acho que nós sabemos
que existem vários conceitos de arte... Certo?
- Certo nada... Isso não passa de um rapaz segurando um
papel e não é arte.
- Também acho... À arte tem que mexer com a gente... Algo
que possamos fazer reflexão... Levar algo de bom para casa. Agora isso aqui! A
única coisa que levo pra casa é uma verdadeira vontade de correr para o
banheiro.
- Mas não deixa de ser uma reflexão.
- Bem, não serei eu que vou colocar na cabeça de vocês o
que é ou não é arte. Vou indo para
segunda parte da exposição, onde mostra homens e mulheres completamente nus.
Sem nada para cobrir seus sexos. Passar bem. (sai)
- Isso é uma vergonha...
- A família acriana deve ser poupada de tamanha
insensatez...
- Um ataque contra as pessoas de bem.
- Eu vou observar a segunda parte da exposição... Fui (Sai)
- Sabem meninas... Também vou. (Sai correndo atrás das outras
duas)
- E você vai olhar aqueles corpos nus?
- Acho que vou ficar por aqui. Sou uma pessoa de família...
- Penso que devemos ir assistir também para poder criticar e
tecer nossa opinião.
- Também acho!
- Vamos?
- Vamos!
- Espera aí... Essa frase do vamos,vamos é de Esperando
Godot de Becket?
- Sim!
- Então nós transformamos a obra!
- E acabamos com a arte.
- Mas...
- Cala a boca (saem)
Entra um funcionário do prédio onde acontece a exposição e caminha em
direção ao rapaz com o papel higiênico.
- Armando o que você está fazendo aqui?
- (Meio desajeitado) É que eu vinha
passando pelo salão de exposição e senti uma vontade louca de soltar um pum.
- Não tenho nada com seus problemas intestinais! Faz uma
hora que te mandei buscar papel higiênico para por no banheiro feminino e até
agora nada.
- Pois então... Não aguentei e acabei soltando o pum preso.
- E o que tem isso?
- Fedeu...
- Foi por isso que demorou?
- Não... Fiquei com vergonha daquelas senhoras. Puxei a
caneta do bolso e escrevi aqui a palavra ARTE. Parei igual uma estatua... Como
se eu fizesse parte da exposição.
- Meu deus! Você estragou tudo... A exposição de arte
contemporânea é no outro salão... Aqui é apenas exposição de obras clássicas.
- Tentei escapar, mas elas cismaram comigo... Discutiram se
o papel era ou não era arte.
- Espero você no RH... Vai levar uma advertência.
- Por quê?
- Por pratica ilegal de arte!
- E tem isso?
- É uma norma que criamos hoje, agora, nesse exato momento. (sai)
- Basta virar artista para começar a ser recriminado. (Tira
um pedaço do papel higiênico assua o nariz, luz vai diminuindo até o B.O)
FIM