A água continua subindo.
O rio está subindo. E isso me sufoca... Não que eu não saiba nadar, mas a água
subindo me sufoca. Hoje foi um dia extremamente chuvoso, muito chuvoso, três
horas de água caindo nos telhados, nos tetos dos carros, nas ruas, nas cabeças
das pessoas. Sei nadar o suficiente para manter meu corpo flutuando, mas creio
se outra pessoa depender de minha ajuda para lhe socorrer, morrerá. Manter meu
corpo flutuando é uma coisa... Manter eu e um outro flutuando é morte na certa.
Esses pensamentos passam
em minha cabeça toda vez que a água começa a subir. Vejo na TV e ouço no rádio
que uma das pontes que ligam um lado da cidade ao outro está interditada, pois
não para de subir. A água. Não me causa
desespero e nem pena, me sufoca, quando morava do outro lado da cidade, o rio
chegou até minha casa, foi invadindo o quintal aos poucos, centímetro por
centímetro, logo estava na porta da casa. Para onde olhava ela estava lá e pela
primeira vez senti está perdido, sufocado, morto, ela iria nos engolir.
Os mais velhos saíram
com água pela cintura e os pequenos com ela pelo peito, em um piscar de olhos
parecia que nos tragaria para o seu estomago barrento de cor marrom. Desde de
então não volto como morador daquela região.
A casa foi sumindo
lentamente como se estivesse sendo engolida por um armadilha da areia movediça,
na manhã seguinte onde existia nossa casa agora era... Rio. Continua subindo.
Desperto desses pensamentos
longínquos da infância com mais um comercial que dizia para as pessoas não irem
ao centro da cidade. Agora mais uma ponte estava fechada.
Deito a cabeça no
travesseiro e tento fingir que não é comigo, mas sei que aquela merda toda ia
atingir o bolso de todo mundo, inclusive o meu. Deles que perderam tudo e
teriam que trabalhar para reconstruir suas vidas e o meu que ainda não tenho
nada, pago aluguel, que dependo do giro de moeda para ganhar o pão. Para os que
governam qualquer hora é hora de desculpa, então vocês sabem qual foi a
desculpa usada para a demora dos pagamentos, né? Eu sabia. Não precisa fazer
essa cara de babaca. Na tua cabeça deve estar passando: Mas o meu partido fez
mais do que o anterior, na do outro que o dele fez mais do que outro e outro
que faz também mais do que outros e teve o lance dos militares que fizeram mais
do que todos.
A questão amigo está na
palavra chave... PARTIDO... Nós estamos todos partidos, de todas as formas e
todos os sentidos. Então deito fecho os olhos e finalmente apago.
Seis e trinta o
despertador avisa que tenho a obrigação de tirar meu corpo pesado do colhão,
lentamente abro os olhos e está... Chovendo. Ligo a TV e tem um sensacionalista
regional que tenta ganhar alguns pontinhos para seu programa matinal com sua
cara amassada de ter acordado muito mais cedo que eu para estar ali. Falando um
monte de merda na tela. Só sabia dizer que a água continuava subindo.
Chega ser patético, mas
nas imagens via alguns conhecidos que ganharam casa em programas sociais e voltavam
para beira do rio. Pensava: Essa praga merece morrer afogado. É meu dinheiro,
meu imposto, serviu para construir a porra daquela gaiola pra quê... Pra
esse... Calo a mente como a secura da garganta ao amanhecer. Gaiola. Só queria
beber água.
Levanto com minha cara
de pastel amassado, quando vou em direção da geladeira escuto voz de gringo no pátio.
Quem estava fora do quarto numa chuva daquela? Era uma família misturada...
Tipo meio braseiros, meio peruanos. Tinham alugado um dos quartos provisoriamente
enquanto normalizava a situação da cidade. Então me afoguei no meu copo d’água. E gostei.
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